- Gosto mais de animal do que de gente! - Assim dizia Dona Eliete, muito enojada da vida e do Ser Humano.
Era uma senhora com a idade bastante avançada que havia passado por determinadas situações e decidido deixar os prazeres da vida para se dedicar com afinco aos animais, inclusive largado ao corpo docente onde ficara anos a lecionar. Aceitava todo e qualquer tipo de animal, mesmo estando saudável ou doente. Podiam estar machucados ou atropelados e mesmo estando entre a vida e a morte ela chamava os amigos veterinários que muito a ajudavam. Ela os chamavam de Almas Caridosas!
Seu amor e carinho pelos animais era tamanho, assim como, a revolta que tinha com pessoas sem escrúpulos e que maltratavam os peludos. Por isso todos que iam em sua casa escutavam aquela frase acima.
Antes de aceitar um animal saudável ela fazia um tremendo "questionário", um monte de perguntas para seus donos do tipo: - Por que motivo os faziam querer desfazer-se dos bichinhos?
E muitas das vezes a vi dando bronca em quem simplesmente “queria se desfazer do animal” sem nenhuma justificativa.
- Vocês adquirem animais só por vaidades, não é? Isso aqui que você está me trazendo, não é brinquedinho, não, que quando fica velho ou quebrado pode ser jogado fora. O animal também tem sentimentos onde seu amor maior será sempre pelo dono. Pode ser rico ou pobre que ele estará sempre ao seu lado e mesmo que passe fome ele não te abandonará. Coisa que você não está fazendo nesse momento.
Ela tinha um estremo mau humor em relação as pessoas. Acho que para ela todos desconhecidos eram iguais. Mas com os bichos, não, era bem diferente. Eles o tiravam tudo que fosse possível, inclusive sua vida social, uma vida normal de um simples ser humano. Seu salário de aposentada era pequeno, muita das vezes, todos passavam por necessidades, onde a maior prejudicada era ela mesma. Deixava até de comprar coisas de uso pessoal, assim como: roupas, sapatos, bolsas, etc. Quase não ia a médico e nem se tratava porque os animais estavam sempre em primeiro lugar.
Haviam algumas empresas ou pessoas que a ajudavam, com: jornais velhos; restos de comida; remédios e às vezes dinheiro. Como na época ainda não existia ou era muito caro comprar ração, eu mesmo, a mando de minha mãe levava todo final de semana cabeça, pescoço e pé de galinha que o dono do aviário lá de perto da minha casa guardava aos dias úteis. Mesmo assim, às vezes não era o suficiente, tamanha quantidade de animais.
Dona Eliete andava com roupas rasgadas, não usava mais perfume, muito menos ia ao salão. Muitas das vezes eu via piolho descendo em sua testa ou até mesmo carrapato em seu vestido. E também já estava aparecendo feridas em sua pele. Parecia estar se igualando a eles, em sua: simplicidade; aparência; no olhar e na pureza de um animal. Assim como os animais, quando aparecia um estranho, ela se retraia e ficava muito desconfiada. Mas se a pessoa trouxesse algum tipo de ajuda, ou mesmo, uma palavra de amizade e carinho, Dona Eliete, fazia aquela festa e seus olhos se enchiam de lágrimas.
Muitos domingos a vi na feira, “na hora da xepa” catando restos de comidas e pedindo ajuda aos feirantes. Pessoas que não a conheciam a chamavam de Louca ou Mendiga sem saber a imensidão daquele coração; daquela dedicação; daquele amor e o quanto foi importante seu trabalho em relação aos animais. Aquela mulher foi única, nunca vi e nem conheci ninguém igual...
Depois casei e fui morar num bairro distante e perdi o contato. Mais tarde, fiquei sabendo que construíram um prédio ao lado de sua casa e que os moradores reclamavam muito do barulho e do cheiro dos animais. Entraram na justiça contra ela pedindo o afastamento dos animais daquele local. Também soube que ela morrera, não fiquei sabendo o motivo. Deve ter sido de desgosto porque além de ter abdicado sua vida como um ser humano normal e ter vivido como um animal, ela era feliz pelo que fazia e por estar ao lado deles.
Algo de bom ficou em mim, aprendi que a maior riqueza não está a vista dos nossos olhos, não precisamos ostentar valores materiais e que nossa maior herança está dentro de nós.
Agora quando passo em frente a sua casa sinto uma nostalgia e uma tristeza muito grande pela sua ausência, pelo que aprendi e pelos animais que também ajudei a resgatar. Quantos aos animais não sei onde foram parar... No "prédio maldito" ninguém soube ou não quiseram me falar. Devem ter ido parar na SUIPA...
Obs: Esse caso se passou na Zona Norte do Rio de Janeiro, mais precisamente no Bairro do Engenho de Dentro onde Dona Eliete morava.